sábado, 7 de janeiro de 2023

A porta que só se abre por dentro.

Ap. 3. 20 “Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e com ele cearei, e ele, comigo.” Este verso é muito utilizado, sobretudo pelas igrejas evangelicas em suas campanhas evangelisticas. E nessas campanhas eles criam certas imagens representativas, nesse caso, eles criaram um Jesus batendo em uma porta, contudo, essa porta só tem maçaneta por dentro.

Dando com isso a entender que, caso o homem não se mova para abrir a porta, Jesus fica impossibilitado de abri-la. Essa imagem representando a porta é o coração humano, a tranca por dentro, significa o livre arbítrio do gênero humano. Campanhas evangelísticas devem sim serem feitas, no entanto, acredito que a bíblia deve ser utilizada em sua forma real e racional, de nada adiantará o lado emocional da pregação.

Duas questões básicas nos mostrará que os evangélicos que utilizam dessas imagens representativas e se valem da pregação emocional estão equivocados, primeiro pelo fato de distorcerem o ensino bíblico relacionado a conversão e salvação, depois o verso de apocalipse foi direcionado primeiro para os convertidos da cidade de Laodiceia e ainda que se aplique para nós hoje, não pode ser aplicado para todos indistintamente.

Vamos ver esse versículo sob dois aspectos, primeiro de forma isolada e depois em seu contexto e veremos se o mesmo ensina o que os evangélicos alegam ensinar. O versículo de forma isolada não ensina o livre arbítrio. O versículo coloca Jesus à porta, batendo e falando para que a abram. O que leva alguém abrir a porta é o ouvir a voz dele.

Uma vez aberta a porta, Ele entra na casa e faz uma refeição com quem abriu a porta. Mais longe que isso não se pode ir na interpretação isolada dessa passagem. É importante notar que palavras como livre arbítrio, vontade, querer e escolha sequer aparece no texto, embora fique implícito que há duas possibilidade: abrir e não abrir. Mas não há uma declaração positiva a respeito do livre arbítrio nem uma interpretação natural e necessária que requeira isso.

Voltando ao ato condicionante do abrir a porta: o ouvir a voz de Cristo. O texto bíblico não diz "ao ouvir" mas "se ouvir", deixando claro que nem todos ouvem. Na pregação do Evangelho, o ouvir é fator determinante: Is. 55. 3 “Inclinai os ouvidos e vinde a mim; ouvi, e a vossa alma viverá; porque convosco farei um concerto perpétuo, dando-vos as firmes beneficências de Davi.”

Rm. 10. 14-17 “Como, pois, invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem não ouviram? E como ouvirão, se não há quem pregue? E como pregarão, se não forem enviados? Como está escrito: Quão formosos os pés dos que anunciam a paz, dos que anunciam coisas boas! Mas nem todos obedecem ao evangelho; pois Isaías diz: Senhor, quem creu na nossa pregação? De sorte que a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus.”

O fato é que embora o Evangelho seja pregado a todos, sem distinção, nem todos ouvem o Evangelho, no sentido bíblico do termo, Is. 6. 10 “Engorda o coração deste povo, e enderece-lhes os ouvidos, e fecha-lhe os olhos; não venha ele a ver com os seus olhos, e a ouvir com os seus ouvidos, e a entender com o seu coração, e a converter-se, e a ser sarado.” Jo. 10. 16 “Ainda tenho outras ovelhas que não são deste aprisco; também me convém agregar estas, e elas ouvirão a minha voz, e haverá um rebanho e um Pastor.” 

Das palavras acima fica claro que nem todos ouvem a voz de Jesus, e aqueles que ouvem é porque são as suas ovelhas e que aqueles que não ouvem, não ouvem porque não "sois das minhas ovelhas" e "não sois de Deus". Como o ouvir não é uma ação autônoma do homem, mas algo operado por Deus nele, fica claro que Ap 3. 20, visto isoladamente, não ensina o livre arbítrio.

Mas estudar uma texto de forma isolada não é uma boa prática de interpretação, todo texto deve ser lido e entendido à luz de seu contexto. E quando colocamos o texto em questão dentro de seu contexto percebemos claramente que o mesmo não é dirigido a não crentes e, portanto, não é uma passagem evangelística. O versículo em seu contexto não se refere ao evangelismo.

O que o contexto de apocalipse 3 está dizendo? Ap. 3. 14-21 “E ao anjo da igreja que está em Laodiceia escreve: Isto diz o Amém, a testemunha fiel e verdadeira, o princípio da criação de Deus. Eu sei as tuas obras, que nem és frio nem quente. Tomara que foras frio ou quente! Assim, porque és morno e não és frio nem quente, vomitar-te-ei da minha boca.

Como dizes: Rico sou, e estou enriquecido, e de nada tenho falta (e não sabes que és um desgraçado, e miserável, e pobre, e cego, e nu), aconselho-te que de mim compres ouro provado no fogo, para que te enriqueças, e vestes brancas, para que te vistas, e não apareça a vergonha da tua nudez; e que unjas os olhos com colírio, para que vejas. Eu repreendo e castigo a todos quantos amo; sê, pois, zeloso e arrepende-te. Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e com ele cearei, e ele, comigo. Ao que vencer, lhe concederei que se assente comigo no meu trono, assim como eu venci e me assentei com meu Pai no seu trono.”

A série de sete cartas são dirigidas não a descrentes, mas aos crentes das igrejas estabelecidas na Ásia: Apocalipse. Todo o texto contido nas cartas apocalípticas se dirigem e se referem à igreja, portanto a crentes. Não é um texto evangelístico no sentido que está falando a pecadores não crentes que precisam abrir a porta de seus corações a Jesus.

Se bem que é verdade que as pessoas devem ser instadas a crerem na mensagem do Evangelho e a aceitarem a Jesus, mas o texto em apreço não é um apelo dirigido a quem ainda não se converteu. A carta em que Jesus diz estar batendo à porta é dirigida ao "anjo da igreja" de Laodicéia, Com isso, a mensagem é dirigida a todos os crentes laodicenses.

Jesus é direto ao dizer "conheço as tuas obras" e ao taxá-los de mornos. Eram crentes autoconfiantes, visto não sentirem falta de coisa alguma, sem perceberem a sua realidade de pobreza espiritual. Apesar disso Jesus os exorta ao arrependimento. Todas essas palavras deixam claro que Jesus está se dirigindo a crentes e não a descrentes.

Somente as obras de crentes tem valor gradual, a dos descrentes não tem valor algum, somente os filhos são disciplinados e somente crentes podem ser ter zelo com as coisas de Deus. Após dirigir essas duras palavras, e no mesmo fôlego, Jesus diz "eis que estou à porta e bato". Não há nada no texto que sugira, nem de longe, que Jesus mudou os destinatário de suas palavras.

Ele continua falando com crentes, o que fica claro por dizer em seguida "ao vencedor", título somente atribuído aos feitos vencedores por Cristo e pelo aviso solene para ouvir o que o Espírito diz "às igrejas". A conclusão é que Apocalipse 3:20 não é dirigido a descrentes, mas a uma igreja que confiante em seus próprios recursos torna-se independente de Jesus, negando o Seu senhorio e, na prática, deixando-o de fora de seus assuntos.

É uma igreja em que Jesus bate à porta, querendo assumir a posição de centralidade que lhe é de direito, como aquele que é o cabeça da igreja. Concluir que Jesus está batendo à porta do coração de pecadores é fazer uma aplicação com demasiada liberdade de um texto fora de seu contexto. Um texto deve ser compreendido à luz de seu contexto, apoiado sempre por passagens paralelas e em conformidade com o ensino geral das Escrituras, tendo em mente que a revelação bíblica é progressiva.

Mesmo analisado de forma isolada, Apocalipse 3:20 não ensina nem dá apoio à filosofia humanista do livre arbítrio. E quando iluminado pelo contexto, tal passagem sequer está se referindo ou dirigindo a não crentes, mas a crentes mornos que negligenciaram o senhorio de Cristo e desenvolveram um falso senso de autossuficiência.