segunda-feira, 11 de novembro de 2013

O verbo de João 1 não é Jesus Cristo. Parte II

Vimos em outro assunto: http://evandro-blogdoevandro.blogspot.com.br/o-verbo-de-joao-1-nao-e-jesus-cristo_11.html. Deus sozinho trazendo todas as coisas a existência pela autoridade da sua palavra, Is. 44.24 (Assim diz o Senhor, que te redime, o mesmo que te formou desde o ventre materno: Eu sou o Senhor, que faço todas as coisas, que sozinho estendi os céus e sozinho espraiei a terra.) Sl. 33.9 (Pois ele falou, e tudo se fez; ele ordenou, e tudo passou a existir.)

Em Isaías, a "palavra" de Deus é mencionada como um agente independente, mas totalmente a serviço de Deus, Is. 55.11 (Assim será a palavra que sai da minha boca: ela não voltará para mim vazia, mas fará o que me apraz, e terá sucesso naquilo para que a enviei.) Isso lembra a personificação da sabedoria em Provérbios, onde "ela" é retratada como ajudante de Deus na criação:

Pv. 8.22, 23 e 30  (O Senhor me trouxe [sabedoria] adiante como a primeira de suas obras, antes de suas obras de idade; fui nomeado desde a eternidade, desde o início, antes que o mundo começou. Então eu era o seu artesão ao seu lado. Eu estava cheio de alegria dia após dia, regozijando-se sempre na sua presença.)

Percebemos na bíblia que "Palavra", "Espírito" e "Sabedoria" são personificações, e estão intimamente ligadas à forma como Deus tem relacionado com o mundo como seu Criador, e que o uso de João do logos é consistente com este uso bíblico. Podemos ver como João baseia-se em todos os ensinamentos do Antigo Testamento.

A sabedoria é personificada em Provérbios 8, dizendo que ela estava no começo, e estava com Deus, e que ela era Seu instrumento na criação. A Palavra de Deus criou os céus (Sl 33:6), e assim fez o Espírito, conforme descrito em Jó. 26.13 e Gênesis 1.2. A linguagem bíblica é claramente uma figura de linguagem uma metáfora, personificação, e não uma realidade última. 

João está dizendo exatamente a mesma coisa do logosNenhum leitor judeu educado nos escritos dos profetas teria deduzido que João estivesse se referindo que o início do seu evangelho fosse uma pessoa que já existia com Deus desde os tempos eternos. Eles entenderiam que as palavras de João foi uma linguagem apropriada para descrever uma continuação das imagens pelo qual a Palavra ou Sabedoria ou as manifestações do Espírito de Deus que são inseparáveis ​​dele são descritas como as intenções de Deus em vigor.

Barclay, um acadêmico e respeitado grego, também reconhece que o logos está intimamente ligado ao poder e sabedoria. "Primeiro, a Palavra de Deus não é só discurso é poder. Segundo, é impossível separar as idéias da Palavra e Sabedoria; E foi a Sabedoria de Deus, que criou e permeou o mundo, que Deus fez. Há ainda mais evidências para ligar o entendimento semita de logos com "poder". O Targum aramaico são paráfrases do texto hebraico, e eles são bem conhecidos para descrever a sabedoria e a ação de Deus como Sua "Palavra". O aramaico era a língua falada de muitos judeus na época de Cristo, incluindo o próprio Cristo, e assim as pessoas na época de Cristo eram familiarizadas com elas. 

Lembrando que um Targum geralmente é uma paráfrase do que o texto hebraico diz, note como os seguintes exemplos de atributos de ação para a "palavra" do Senhor; Targum é qualquer uma das traduções em aramaico, mais ou menos literal, de partes do Antigo Testamento. Gn. 39.2 (O Senhor estava com José.) (E a palavra do Senhor foi ajudante de José). Ex. 19.17 (E Moisés levou o povo fora do arraial ao encontro de Deus). No targum: (E Moisés levou o povo "para atender a palavra do Senhor.) Jó. 42.9, no hebraico: E a palavra do Senhor aceitou a face do trabalho de Jó.) No Targum (E o Senhor aceitou a face de Jó).  Salmo 2.4 (E a palavra do Senhor se rirá por causa do desprezo.) (O Senhor se rirá deles). 

O contraste entre o texto hebraico e as paráfrases aramaicas nos versículos acima mostram que os judeus não tinham nenhum problema em personificar a "Palavra" de Deus de tal forma que ela a “palavra” poderia agir em nome de Deus. As paráfrases também provam que os judeus estavam familiarizados com esta idéia referindo-se a Sua sabedoria e ação. Para os judeus Deus estava sozinho, por isso eram estritamente monoteístas, e não acreditavam de forma alguma em um “Deus Trino”.

"Eles estavam familiarizados com os idiomas de sua própria língua, e compreendiam que a sabedoria e o poder de Deus estavam sendo personificados e não representavam de forma alguma uma pessoa real. Ao lermos o Evangelho de João com uma verdadeira compreensão do conceito de logos, o maravilhoso amor do nosso Pai celeste é mostrado claramente. Desde o começo Deus tinha um propósito, um plano que deveria se materializar no mundo, de uma forma que revela o Seu amor e sabedoria. Deve estar claro, então, que o uso de logos no prólogo de João reflete a riqueza do uso bíblico do termo "Palavra" quando é usado em relação a Deus e Seu propósito criativo e suas atividades.

O logos no grego também significa “palavra”, “verbo”, mas foi a partir de Heráclito que o logos teve outro significado, então no 3º século AC. Os estóicos passaram a afirmar que o universo era corpóreo e consequentemente governado por um logos divino, noção esta que os estóicos tomaram de Heráclito e a desenvolveram.

Percebe-se claramente que esta idéia do logos divino oriunda dos estóicos influenciou grandemente os líderes cristãos do primeiro século; ao passo que para os judeus a “palavra” descrita em vários versos na bíblia representa a auto-expressão de Deus, Sua sabedoria, plano e propósitos, e que pode incluir seu poder e suas ações.

Quando passamos a compreender a influência que a filosofia teve sobre os primeiros cristãos e como isso afetou a compreensão do correto uso de “palavra, ou verbo” aí sim estaremos em condições de entendermos o pleno significado da frase, "No princípio" descrito em João 1.1.

O cristianismo tradicional e suas variantes ensinam aos seus seguidores que o princípio relatado no evangelho de João 1.1 é o mesmo princípio registrado em gênesis 1.1-2 isso é suposto pelo fato de acreditarem que a palavra de João 1 é Jesus Cristo, portanto ele estaria também no princípio em gênesis, mas se entendermos que a palavra de João 1 é o plano de Deus sendo trazido a existência compreenderemos que o princípio de João nada tem a ver com o princípio de gênesis.

O princípio relatado em João 1. 1 refere-se ao começo ou a materialização do plano de salvação de Deus, manifestado na pessoa de Jesus Cristo, dando a entender que a nova criação da qual fala a bíblia estava começando a se materializar.