segunda-feira, 1 de maio de 2017

O mito e sua influência.

Que cristão não aprendeu que antes da criação do mundo houve uma revolta dos anjos, sendo os rebeldes expulsos do céu? Milton escreveu um drama muito poético no seu paraíso perdido, alias algo que deu os retoques do drama da queda para muitas denominações religiosas. No judaísmo tardio circulavam narrações a esse respeito. Foram introduzidas por um livro de Noé, perdido, do século II a.C. A lenda – diretamente emprestada dos cananeus – concretizara-se num apócrifo, o livro de Henoc, descoberto na Etiópia, em 1773.

Consta de 108 capítulos, redigidos originalmente e aramaico, e talvez em parte em hebraico, mas na época do descobrimento só se encontraram parte em etíope. Encontraram-se nada menos que 26 cópias porque a igreja etíope antiga considerava canônico esse livro. É reconhecido como primeiro livro de Henoc – 1 Hn. Ou então como Henoc etíope. Foi compilado entre o século II e primeiras décadas do século I AC.

Os 36 primeiros capítulos do apócrifo livro de Henoc 200 “guardiães” ou anjos sob o comando de Semyasa, decidiram ter filhos com as mulheres humanas. Cada guardião comportadamente tomou uma só esposa. Essas duzentas mulheres 3000 filhos os quais se tornaram gigantes. Segundo a narrativa do livro de Henoc foi quando os gigantes começaram a destruir devorar os homens, que aterrados clamaram a Deus.

Foi então que Deus enviou o Anjo Uriel para prevenir Noé do dilúvio com que planejava matar os gigantes; e para reprimir Semyasa, Azazel e demais anjos guardiãs, envia Miguel. No entanto, no livro de Henoc é dito que os demônios não são esses guardiões que abandonaram os seus postos naturais. Demônios segundo o livro de Henoc, são os espíritos dos gigantes mortos no dilúvio.  

Os diabos (anjos guardiãs rebeldes) que se organizaram militarmente com um chefe para cada dezena, foram vencidos pelas milícias de Miguel e acorrentados em grutas subterrâneas durante 70 gerações, até o dia do grande julgamento quando serão lançados, juntos com os homens maus, no lago de fogo (setenta gerações) é um número simbólico, ou um número incalculável de tempo. No entanto, os demônios (espíritos dos gigantes que foram mortos no dilúvio percorrem continuadamente toda a terra, fazendo mal aos homens, também esses serão condenados no dia do juízo.

Mais adiante nos capítulos 37-71 o livro de Henoc vai apresentar repetidamente Satã como chefe dos anjos rebeldes. Esta última parte do livro de Henoc é já bem próxima da época de Cristo. Outro livro apócrifo que também fala dos gigantes é o livro dos jubileus (jb) que também começou a ser escrito no II século aC. O livro de jubileus repete a ideia de que os anjos ou guardiãs vieram ao mundo ensinar aos homens, mas logo se apaixonaram pelas mulheres, quase todas as fontes desta lenda falam em relações sexuais com mulheres, não de homens com anjos femininos.

A origem da tradição da queda dos anjos derrotados por Miguel fica assim muito clara. Igualmente fica clara a origem da crença em demônios que atormentam os homens. Na interpretação da bíblia, os rabinos fantasiaram as relações sexuais dos “filhos de Deus” com os homens. No Talmud se ensina: todos estes anos (Adão) gerou espíritos, demônios e fantasmas noturnos; pois se diz: Gn. 5.3 “quando Adão tinha 130 anos gerou a sua imagem e semelhança” o que quer dizer antes tinha gerado seres que não eram à sua imagem e semelhança. E eles continuam dizendo em (Rabba 24. 6) 

Durante todo esse tempo, da mesma maneira que Adão fecundava demônios femininos, Eva ficava grávida de demônios masculinos, dando-lhes abundante descendência. Nota-se claramente um erro de interpretação descomunal por parte dos rabinos, ou na verdade o que falou mais alto em sua teologia foi a crença no mito e nas lendas, eis o texto base para sua interpretação equivocada Gn. 6. 1-2 Como se foram multiplicando os homens na terra, e lhes nasceram filhas, vendo os filhos de Deus que as filhas dos homens eram formosas, tomaram para si mulheres, as que, entre todas, mais lhes agradaram.”

Aqui não cabe outra interpretação a não ser aquela que diz que os filhos de Deus e os filhos dos homens são na realidade seres humanos, o que o contexto anterior nos mostra são as disposições e inclinações do “espírito”, ou seja, a definição da espiritualidade de cada um, mas aceitar as palavras filhos de Deus como sendo seres espirituais só mesmo influenciados por mitos e lendas.

Talvez a parte do verso que mais contribuiu para o surgimento dessa lenda foi este Gn. 6. 4 “Ora, naquele tempo havia gigantes na terra; e também depois, quando os filhos de Deus possuíram as filhas dos homens, as quais lhes deram filhos; estes foram valentes, varões de renome, na antiguidade.” Assim sendo a lenda judaica e cristã muito difundida identificará estes “filhos de Deus” com os diabos ou anjos que pecaram. Os gigantes filhos dos anjos também são identificados como os demônios.

Mais tarde se lerá no livro apócrifo chamado Eclesiástico 16. 8 “Os gigantes antigos não imploraram perdão de seus pecados, e foram destruídos, apesar de confiados na própria força.” Aconteceu como disse anteriormente, os judeus foram influenciados pela cultura circunvizinha e não interpretaram na integra a intenção real da bíblia, Jó 1. 6 Num dia em que os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o Senhor, veio também Satanás entre eles.” Seria este ser um satanás espiritual?

A crença tradicional diz que sim, mas repare o que outro texto bíblico nos mostra Dt. 32. 8 “Quando o Altíssimo distribuía as heranças às nações, quando separava os filhos dos homens uns dos outros, fixou os limites dos povos, segundo o número dos filhos de Israel.” Algumas traduções dizem, (segundo o número dos filhos de Deus.) O livro dos jubileus corrige 1 Hn. Mostrando que o diluvio aconteceu para castigar os anjos e gigante, não os homens,  ora é a mesma coisa, se o diabo me leva a pecar, logo que culpa tenho eu.

Gn. 6. 5Viu o Senhor que a maldade do homem se havia multiplicado na terra e que era continuamente mau todo desígnio do seu coração.” Sem a influencia dos mitos e lendas vemos a bíblia dizer claramente que a maldade procede diretamente dos homens, não de anjos caídos. Assim, em ocasião de acontecimentos maldosos e quando a bíblia fala de demônios, deuses, ela está simbolizando e penalizando  apenas o homem pecador.

Não se pode descartar a realidade de que os escritores bíblicos, por serem seres humanos, sofreram influências enormes de mitos e lendas dos povos que os cercavam, principalmente pelo fato de terem sofridos influencias de diversas culturas. Infelizmente no florescente cristianismo ocorreu o mesmo, ao invés de se desvencilhar da superstição os primeiros cristão se apegaram a ela, isso pelo fato de estarem presentes na cultura greco romana. Mas o que isso tem a ver com a fé em Deus? Nada, não precisamos de dualismo, o mito não atrapalha a realidade, devemos depurá-lo, somente isso.