Que
cristão não aprendeu que antes da criação do mundo houve uma revolta dos anjos,
sendo os rebeldes expulsos do céu? Milton escreveu um drama muito poético no
seu paraíso perdido, alias algo que deu os retoques do drama da queda para
muitas denominações religiosas. No judaísmo tardio circulavam narrações a esse
respeito. Foram introduzidas por um livro de Noé, perdido, do século II a.C. A
lenda – diretamente emprestada dos cananeus – concretizara-se num apócrifo, o
livro de Henoc, descoberto na Etiópia, em 1773.
Consta
de 108 capítulos, redigidos originalmente e aramaico, e talvez em parte em
hebraico, mas na época do descobrimento só se encontraram parte em etíope. Encontraram-se
nada menos que 26 cópias porque a igreja etíope antiga considerava canônico
esse livro. É reconhecido como primeiro livro de Henoc – 1 Hn. Ou então como
Henoc etíope. Foi compilado entre o século II e primeiras décadas do século I
AC.
Os 36
primeiros capítulos do apócrifo livro de Henoc 200 “guardiães” ou anjos sob o
comando de Semyasa, decidiram ter filhos com as mulheres humanas. Cada guardião
comportadamente tomou uma só esposa. Essas duzentas mulheres 3000 filhos os
quais se tornaram gigantes. Segundo a narrativa do livro de Henoc foi quando os
gigantes começaram a destruir devorar os homens, que aterrados clamaram a Deus.
Foi
então que Deus enviou o Anjo Uriel para prevenir Noé do dilúvio com que
planejava matar os gigantes; e para reprimir Semyasa, Azazel e demais anjos
guardiãs, envia Miguel. No entanto, no livro de Henoc é dito que os demônios
não são esses guardiões que abandonaram os seus postos naturais. Demônios
segundo o livro de Henoc, são os espíritos dos gigantes mortos no dilúvio.
Os
diabos (anjos guardiãs rebeldes) que se organizaram militarmente com um chefe para
cada dezena, foram vencidos pelas milícias de Miguel e acorrentados em grutas
subterrâneas durante 70 gerações, até o dia do grande julgamento quando serão
lançados, juntos com os homens maus, no lago de fogo (setenta gerações) é um
número simbólico, ou um número incalculável de tempo. No entanto, os demônios
(espíritos dos gigantes que foram mortos no dilúvio percorrem continuadamente
toda a terra, fazendo mal aos homens, também esses serão condenados no dia do
juízo.
Mais
adiante nos capítulos 37-71 o livro de Henoc vai apresentar repetidamente Satã
como chefe dos anjos rebeldes. Esta última parte do livro de Henoc é já bem
próxima da época de Cristo. Outro livro apócrifo que também fala dos gigantes é
o livro dos jubileus (jb) que também começou a ser escrito no II século aC. O
livro de jubileus repete a ideia de que os anjos ou guardiãs vieram ao mundo
ensinar aos homens, mas logo se apaixonaram pelas mulheres, quase todas as
fontes desta lenda falam em relações sexuais com mulheres, não de homens com
anjos femininos.
A origem
da tradição da queda dos anjos derrotados por Miguel fica assim muito clara.
Igualmente fica clara a origem da crença em demônios que atormentam os homens.
Na interpretação da bíblia, os rabinos fantasiaram as relações sexuais dos
“filhos de Deus” com os homens. No Talmud se ensina: todos estes anos (Adão)
gerou espíritos, demônios e fantasmas noturnos; pois se diz: Gn. 5.3 “quando Adão tinha 130 anos
gerou a sua imagem e semelhança” o que quer dizer antes tinha gerado seres que
não eram à sua imagem e semelhança. E eles continuam dizendo em (Rabba 24. 6)
Durante
todo esse tempo, da mesma maneira que Adão fecundava demônios femininos, Eva
ficava grávida de demônios masculinos, dando-lhes abundante descendência.
Nota-se claramente um erro de interpretação descomunal por parte dos rabinos,
ou na verdade o que falou mais alto em sua teologia foi a crença no mito e nas
lendas, eis o texto base para sua interpretação equivocada Gn. 6. 1-2 “Como se foram multiplicando os homens na terra, e lhes nasceram filhas,
vendo os filhos de Deus que as filhas dos homens eram formosas, tomaram para si
mulheres, as que, entre todas, mais lhes agradaram.”
Aqui não cabe outra interpretação a não ser aquela que
diz que os filhos de Deus e os filhos dos homens são na realidade seres
humanos, o que o contexto anterior nos mostra são as disposições e inclinações
do “espírito”, ou seja, a definição da espiritualidade de cada um, mas aceitar
as palavras filhos de Deus como sendo seres espirituais só mesmo influenciados
por mitos e lendas.
Talvez a parte do verso que mais contribuiu para o
surgimento dessa lenda foi este Gn. 6. 4
“Ora, naquele tempo havia gigantes na
terra; e também depois, quando os filhos de Deus possuíram as filhas dos
homens, as quais lhes deram filhos; estes foram valentes, varões de renome, na
antiguidade.” Assim sendo a lenda
judaica e cristã muito difundida identificará estes “filhos de Deus” com os
diabos ou anjos que pecaram. Os gigantes filhos dos anjos também são
identificados como os demônios.
Mais
tarde se lerá no livro apócrifo chamado Eclesiástico 16. 8 “Os gigantes antigos não imploraram perdão de seus pecados, e foram
destruídos, apesar de confiados na própria força.” Aconteceu como disse
anteriormente, os judeus foram influenciados pela cultura circunvizinha e não
interpretaram na integra a intenção real da bíblia, Jó 1. 6 “Num dia em que os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o Senhor, veio também Satanás entre eles.”
Seria este ser
um satanás espiritual?
A crença tradicional diz que sim, mas repare o que outro
texto bíblico nos mostra Dt. 32. 8 “Quando o Altíssimo distribuía as heranças
às nações, quando separava os filhos dos homens uns dos outros, fixou
os limites dos povos, segundo o número dos filhos de Israel.” Algumas
traduções dizem, (segundo o número dos filhos de Deus.) O livro dos jubileus
corrige 1 Hn. Mostrando que o diluvio aconteceu para castigar os anjos e
gigante, não os homens, ora é a mesma
coisa, se o diabo me leva a pecar, logo que culpa tenho eu.
Gn. 6. 5 “Viu o Senhor que a maldade
do homem se havia multiplicado na terra e que era continuamente mau todo
desígnio do seu coração.” Sem a influencia dos mitos e lendas vemos a
bíblia dizer claramente que a maldade procede diretamente dos homens, não de anjos caídos.
Assim, em ocasião de acontecimentos maldosos e quando a bíblia fala de demônios, deuses, ela está simbolizando e penalizando apenas o homem pecador.
Não se pode descartar a realidade de que os escritores
bíblicos, por serem seres humanos, sofreram influências enormes de mitos e
lendas dos povos que os cercavam, principalmente pelo fato de terem sofridos
influencias de diversas culturas. Infelizmente no florescente cristianismo
ocorreu o mesmo, ao invés de se desvencilhar da superstição os primeiros cristão
se apegaram a ela, isso pelo fato de estarem presentes na cultura greco romana.
Mas o que isso tem a ver com a fé em Deus? Nada, não precisamos de dualismo, o
mito não atrapalha a realidade, devemos depurá-lo, somente isso.