quinta-feira, 11 de agosto de 2011

E o diabo? Parte 3.

Os Setenta traduziram o verbo stn por endiabállô em grego; que significa caluniar nas línguas vernáculas, (própria do país de origem) (e o substantivo Satã os Setenta traduziram por Diábolos, que significa caluniador). O termo Satã, e satanizar, tão freqüente no Antigo Testamento, são substituídos algumas vezes na tradução grega dos Setenta pelo termo Ho Diábolos (o Diabo), e na forma verbal pelo termo endiabállô (ao pé da letra haveria que traduzi-lo por "endiabrar"). Diabo e Satã, ou Satanás, são sinônimos.
O substantivo Satã ou Diabo, além das 15 vezes que aparece no Antigo Testamento e mais 6 vezes na forma verbal no Novo Testamento, Satanás aparece 37 vezes. Diabo, ou Diábolos, não procede de diáxo (= despedaçar) como afirma a Enciclopédia Britânica, senão de diabállô, isto é, bállô = arrojar, com o prefixo diá = através de: Expulsar através de. O verbo diabállô e o substantivo diábolos passaram a significar, substituindo o efeito pela causa, a ação e a pessoa que apresenta cargos com intento hostil, falsa ou caluniosamente (para "arrojar", "expulsar", "derrubar" alguém). Hostilidade é este o significado que corresponde à palavra hebraica Satã.
A escolha da palavra Diabo para substituir a palavra Satã na tradução dos Setenta é alusão à lenda da queda dos anjos rebeldes. Qual cristão não aprendeu que antes da criação do mundo houve uma guerra de anjos rebeldes, capitaneados por Lúcifer, sendo derrotados pelos anjos bons, capitaneados por Miguel, e sendo então os rebeldes arrojados do Céu? Milton escreveu um drama impressionante no seu livro Paraíso Perdido. Tudo lenda.
No judaísmo tardio circulavam lendas a esse respeito. A lenda da queda dos anjos foi introduzida pelo Livro de Noé, perdido. Este livro de lendas, para dar prestigio a coletânea, foi atribuído nada menos que ao Patriarca Noé. Na realidade este livro é do século II a.C. Os judeus estavam rodeados de povos cujas mitologias falavam de guerras de deuses. Mas, eles pensaram: Como pode haver guerras de deuses, se só existe um Deus? E o Livro de Noé transformou a guerra de deuses em guerra de anjos.
Livro de Henoque. O mito da guerra dos deuses, diretamente emprestado dos cananeus, concretizou-se numa outra coletânea de lendas, o Livro de Enoque, descoberto na Etiópia em 1773. Consta de 108 capítulos, redigidos originariamente em aramaico, e talvez em parte em hebraico, mas na época do descobrimento só se encontraram cópias em etíope. Encontrou-se nada menos que 26 cópias, porque a Igreja etíope antiga considerava, erradamente, esse apócrifo como canônico, como pertencente à Bíblia. É conhecido como Primeiro Livro de Enoque (1Hn) ou então como Enoque Etíope (Hn-et).
Hoje já possuímos fragmentos em hebraico e, mormente em aramaico, encontrados em Qumran, nas cavernas dos antigos essênios junto ao Mar Morto. Não tem unidade. É mais uma coleção de peças de diversas origens e antigüidades, compiladas entre o século II e primeiras décadas do século I a.C. Segundo os primeiros 36 capítulos do Livro de Enoque 200 anjos guardiães, sob o comando de Semyasa decidiram engendrar filhos com as mulheres da nossa Terra. Cada guardião comportadamente tomou uma só esposa. Essas duzentas mulheres geraram 3.000 gigantes. Segundo o Livro de Enoque, os anjos guardiães teriam ensinado aos terráqueos a fabricação de armas, a produção de cosméticos, à adivinhação pelos astros e a feitiçaria. Mas aconteceu que os gigantes começaram a devorar homens... E os homens, aterrados, clamaram a Deus.
O Altíssimo envia então o anjo Uriel para prevenir Noé do dilúvio com que planeja matar os gigantes; e para reprimir Semyasa, Azazel e demais anjos guardiães, envia Miguel. As milícias de guardiães e seus chefes foram vencidos pelas milícias de Miguel, e ficaram acorrentados em grutas subterrâneas durante 70 gerações. Setenta gerações, significa por tempo incalculável. Expressamente se diz: "até o dia do Grande Julgamento (até o fim do mundo), quando serão lançados, junto com os homens maus, às masmorras de fogo". Estes demônios não molestam mais! Os espíritos dos gigantes mortos no dilúvio, segundo o Livro de Henoc, percorrem continuamente toda a Terra, fazendo mal aos homens. Também estes demônios serão condenados, mas só no dia do Juízo Final.
O Primeiro Livro de Enoque alcançou grande prestígio no judaísmo da época de Cristo. Era conhecido pelos escritores do Novo Testamento, e muitos “Pais” e Escritores Eclesiásticos, erradamente o tinham como inspirado tal como os livros canônicos da Bíblia. Queda de anjos? A origem lendária da queda de anjos rebeldes fica assim muito clara. Igualmente fica clara a origem da crença em demônios que atormentam os homens. Depois os cristãos simplificaram e concretizaram. Simplificaram estritamente isso, guerra de anjos; e concretizaram dizendo que os anjos rebeldes foram capitaneados por Lúcifer, e os bons capitaneados por Miguel. Tiraram todos os outros enfeites mitológicos.
Alusões neotestamentárias. No Novo Testamento encontram-se duas alusões, e provavelmente só duas, à lenda dos anjos rebeldes. Judas: {Os anjos que não conservaram o seu principado, mas abandonaram a sua morada, guardou-os presos em cadeias eternas, sob as trevas, para o juízo do Grande Dia} Jd. 6. E Pedro: {Deus não poupou os anjos que pecaram, mas lançou-os nos abismos tenebrosos do Tártaro, onde estão guardados à espera do Juízo} 2ª Pe. 2: 4. Alusões ao mito. Instrumento de linguagem para Revelar a justiça e no fim o perdão por Deus a quem se arrepender. Seria significativo em ambos os textos, porém se tomar-mos ao pé da letra: os demônios não molestam mais, estão em cadeias eternas, guardados presos nos abismos tenebrosos.
Mt. 25: 41; Quando Cristo fala do fogo preparado para o Diabo e seus anjos, está também aludindo à lenda da queda? Talvez. Mas de acordo com outros textos do novo testamento 1ª Co. 5: 5; 1ª Tm 1: 20 e 3: 6; e extra bíblicos (1Hn 63,3; Documento de Damasco 8,2) em todo caso esta indicando meramente o castigo dos homens pecadores = servidores do Diabo. Igualmente: Segundo o Apocalipse os anjos e seu chefe Miguel, após rude combate, precipitaram sobre a Terra "o grande Dragão, a antiga Serpente, o chamado Diabo, ou Satanás, Sedutor" e seus anjos Ap. 12: 7-11. Na realidade não se ratifica ou Revela a queda dos anjos, senão que se simboliza a vitória da Redenção contra as dificuldades dos cristãos. "O acusador dos nossos irmãos" teria algo que ver com o milenar conceito do Diabo, ele fica "dia e noite diante do nosso Deus"? Ap. 12: 10. Todo o capítulo é enormemente alegórico e seria simplismo interpretá-lo como Revelação de uma real batalha e queda de anjos! A "luta dos anjos" no Apocalipse refere-se ao presente e futuro do cristianismo, não a um longínquo passado, antes da criação da humanidade. O Apocalipse é "o livro da profecia", descreve o futuro do cristianismo.
Como é possível que os "defensores dos demônios" não saibam nem sequer isto? Ap. 1: 1- Revelação de Jesus Cristo, a qual Deus lhe deu, para mostrar aos seus servos as coisas que brevemente devem acontecer; e pelo seu anjo as enviou, e as notificou a João seu servo.