sábado, 11 de fevereiro de 2012

ídolos, são demônios ou coisas vãs?

Uma primeira constatação é que o termo demônio (ou um equivalente hebraico para traduzir exatamente o termo grego daimónion e daimónia (ou daímon e daímones) tão freqüente, como veremos, no Novo Testamento apesar de ser tão curto, não aparece nunca nos originais do Antigo Testamento apesar de ser tão comprido. A palavra demônio no Antigo Testamento é só fruto de traduções posteriores.

Ídolos. Os sátiros espécie de bode peludos descritos por Isaías são convertidos na tradução oficial, (chamado de Setenta), em demônios. E estes dançariam com sereias nas ruínas da Babilônia. Is. 13: 21.  Na mesma versão em outras oportunidades os ídolos são traduzidos por demônios.  Dt. 32: 17; Is. 65: 3; Sl. 106: 36.  Is. 65: 11. Isaías está falando de Gad, o deus arameu da fortuna, os Setenta substituem Gad por demônio. Esses mesmos sátiros, esses mesmos ídolos, esses mesmos demônios, em Levíticos na tradução dos Setenta, são simplesmente "coisas vãs"! Lv 17: 7. Coisas: Não existem como seres pessoais. Vãs: vazias, inúteis... (Septuaginta ou versão dos 70 é o nome da versão da Bíblia hebraica para o grego, traduzida em etapas entre o terceiro e o primeiro século a.C. por 70 rabinos, em Alexandria no Egito).

Soberania de Deus. Na sua pedagogia, a Bíblia não enfrentou diretamente desde o início os deuses estrangeiros. Utilizou-os, como instrumento de linguagem, para destacar a soberania de Deus. Apresentou-os como subordinados ao Deus dos deuses e das potestades. A hierarquia superior e aos deuses pagãos, chamou-os "Filhos de Deus", que formavam o conselho de Deus, "Potestades" que ajudavam no governo do universo. E inclusive os organizou hierarquicamente Dn. 10,13. Sl. 96: 5 no original hebraico que os deuses dos pagãos são vãos: deuses = élohim, vãos = élilim. Não pode o grego conservar este jogo de palavras. E os Setenta convertem vãos em demônios!
Os demônios são vãos, inexistentes. No Novo Testamento se recolhe a idéia: João identifica os deuses pagãos com os demônios, e são seres inertes, meras imagens feitas pelas mãos dos homens: Ap. 9: 20. E Paulo também identifica deuses pagãos e demônios, e igualmente como vãos nada, inexistentes: Os ídolos ou os demônios mesmos sejam alguma coisa?  1 Co. 10: 19-20.

Influencias pagãs. A antiqüíssima demonologia-divindade da literatura suméria, os perniciosos deuses-demônios chamados udug, e a demonologia acádia influenciaram os hebreus do Antigo Testamento, e através dos caldeus penetraram o mundo grego e depois o romano. Pouco antes de Cristo, a influência volta aos judeus, através da cultura grega, resultante da dominação romana. Dois séculos antes de Cristo e no próprio século 1º d.C., a demonologia judaica manifesta reflexos da demonologia mesopotâmica ou babilônica e grego-romana.

Demônios e demônio são as traduções vernáculas para os termos daímones no plural e daímon no singular na versão dos Setenta. Tenhamos em conta que esta tradução foi feita precisamente nesta época neo-testamentária. Ora, na literatura grega e na época helenística, daímon e daímones significam deus e deuses: divindades de grau inferior. Os judeus na época neo-testamentária, também adotaram esta denominação. Flávio Joséfo, o historiador judeu que escrevia no primeiro século, várias vezes empregou o termo daímones como sinônimo de deuses. Levemos em conta que o todo o Novo Testamento foi escrito em grego. O termo daímon procede de daiomai, que significa distribuir: eram os deuses que distribuíam os bens e os castigos aos homens.

Neste mesmo sentido, os pagãos usam o termo daímones com referência à pregação de Paulo: Dir-se-ia um pregador de divindades (daímones) exóticas, porque ele anunciava Jesus e a Ressurreição At. 17,18. Os que escutavam Paulo usaram o termo daímones no plural porque acreditavam que Jesus era anunciado como um deus e a Ressurreição como uma deusa.

Elaboração do animismo. Zoroastro o mais antigo fundador conhecido de religião, ensina que Alhura Mazda, o Deus Supremo dos persas serve-se dos chamados "santos imortais": são divindades inferiores, pois são concebidas como irradiações da natureza divina. Alhura Mazda não governa diretamente o mundo, serve-se para isso dos imortais, potestades ou daímones.

Na mais antiga mentalidade todas as manifestações da natureza, que o homem primitivo considerava superiores a ele, eram concebidas como dotadas de alma. Esses seres animados, espíritos bons ou maus, eram os responsáveis pelos acontecimentos favoráveis ou desfavoráveis.

Com o tempo, o animismo dos povos primitivos foi se fazendo mais elaborado e complexo. É substituído por potestades, ou divindades inferiores, que como intermediários governam a humanidade e o mundo. Os próprios intermediários - divindades inferiores-, se multiplicam numa subordinação hierárquica mais ou menos extensa. Elaborado ou primitivo conserva-se o animismo nas tradições de muitos povos africanos. De lá se ramificou principalmente pelos chamados cultos afro-brasileiros e de vários países latino-americanos.

O judaísmo num começo não se opôs ao animismo, mas o disciplinou, a fim de acomodá-lo às suas próprias exigências doutrinais. Por exemplo, o animismo universal considerava que os rios e os vaus tinham alma. Depois, pensou que havia neles um deus. Eram daímones. Para atravessar um rio, primeiro era preciso aplacá-lo com oferendas e dádivas.

A demonologia de Israel consta de elementos emprestados de todas as civilizações vizinhas. Tais culturas não pertencem ao conteúdo da Revelação! Trata-se de interpretação pagã de realidades do nosso mundo.  Os elementos da natureza não são deuses. Estes daímones não existem. Só metaforicamente se substituem, ou identificam, esses demônios pelo verdadeiro e único Deus.

Novo Testamento. Sob diversos nomes alude 73 vezes ao que comumente hoje se chama demônio. O Novo Testamento usa, além de daimónion, os nomes: "Diabo e seus anjos" Mt. 25,41 "espíritos imundos" Mt. 10: 1, "espírito impuro" Mc. 1: 23), etc. Demônio e os outros termos se usam indistintamente. No singular ou no plural. Assim, por exemplo, a mesma pessoa que, segundo Marcos. 5: 2, é possuída por um espírito impuro, no singular, pouco depois no mesmo Marcos (v. 13) está possuída por espíritos imundos, no plural. E segundo Lucas 8: 27; essa mesma pessoa está possuída por demônios, no plural; mas imediatamente, no mesmo Evangelho de Lucas (v. 29) Jesus Identifica esses demônios como um espírito impuro, no singular; e no versículo seguinte (30), Lucas diz que são muitos demônios.

Na Bíblia Satã nunca é designado por um ser que possamos considerar um demônio no sentido, errado, tão difundido entre os cristãos de um ser sobre-humano e perverso. Não significa um ser, mas sim a própria inimizade com Deus, o que afasta o homem de Deus. A palavra Satã, na sua forma verbal, stn em hebraico, aparece seis vezes no Antigo Testamento: Zc. 3: 1; Sl. 38: 21; Sl. 71: 13; Sl 109: 4 e 29. Poderíamos traduzi-lo por "satanizar". Os Setenta geralmente traduzem o verbo stn por endiabállô em grego; caluniar nas línguas vernáculas, ou nativas (e o substantivo Satã os Setenta geralmente o traduzem por Diábolos, que significa caluniador.  

BELIAL. Belial (forma hebraica) ou Beliar (forma grega) aparece 27 vezes no Antigo Testamento e uma no novo em 2 Co. 6: 15. Delas, 21 vezes forma a expressão "filhos de Belial", que equivale a chamar essas pessoas de "beliais", qualificativo. Belial era uma divindade Cananéia, o daíimon do mundo subterrâneo. No Antigo Testamento, em três das 27 oportunidades em que a palavra aparece significa esse mundo subterrâneo que a Bíblia utiliza no simbolismo religioso de lugar afastado de Deus. 2ª Sm. 22: 5; Sl. 18: 5 e 41: 9.
MASTEMAH. Na mitologia de certos povos orientais, o "Príncipe dos espíritos" dos gigantes, ou "Chefe dos demônios". É às vezes chamado Satã. A palavra Mastemah tem a mesma raiz stn que a palavra Satanás. Também Mastemah significa inimizade. Mastemah aparece na Bíblia sem nenhuma relação com qualquer ser sobrenatural. No livro do profeta Oséias: Os. 9: 7; A palavra ódio é mastemah
O qualificativo ou ofício aplicado ao Chefe dos Demônios era sar hammastemah, conservado em alguns manuscritos etíopes, que significa "chefe da inimizade". Depois erradamente se abreviou para "chefe Mastemah", convertendo-se assim o qualificativo em nome próprio. Como acabamos de ver, Satã, Mastema, Belial, Inimizade... (daí Incredulidade, Impiedade, Trevas, Ídolos, etc.) são sinônimos. Etimologicamente, Belial significa inútil. 
MONSTROS NA BÍBLIA. Também hoje qualquer pessoa culta, tratando de qualquer tema, poético e mesmo científico ou religioso, alude à mitologia grega ou latina. E nem por isso haveríamos de pensar que tal autor acredita na existência dos deuses Júpiter, Palas ou Posseidón. Da mesma maneira a Bíblia cita a mitologia dos pagãos. Os exílios do povo judaico o puseram em contato com os temores mágicos. Aos quais, por outra parte, são propensos. Todos os primitivos, no tempo ou na mentalidade, e, portanto também o povo israelita antigo. Após o exílio, na tentativa de evitar guerras ou de ser dominados, e na época de Cristo em que caíram sob o poder romano, os israelitas eram permeabilizados por culturas pagãs. Traziam-nas os judeus das diásporas nas suas visitas a Jerusalém. Também o comércio com os países vizinhos. Esses temores, convertidos em demônios, são citados na Bíblia.

Isaías; 13: 21, no original, fala de que no deserto habitava Lilith e sua corte, uma divindade feminina dos babilônios, traduzida depois por Satanás e seres peludos, e depois identificados com demônios. A eles, segundo o Lv. 17: 7 e 2 Cr. 11: 15 ofereciam-se sacrifícios as divindades, embora divindades de segunda categoria. É evidente que o Profeta não está aceitando nem Lilith nem sua corte de grotescos daímones, demônios peludos, nem que habitem no deserto. Como não toma a sério Leviatã, o deus monstro do mar, nem Lannin, o deus dragão. Esses demônios-divindades da mitologia Cananéia, citadas no poema de Zaratustra, são meros símbolos com que Isaías 27:1 designa o Egito. O mesmo faz o salmista Sl. 74: 13.