segunda-feira, 2 de novembro de 2015

As mulheres e o sepulcro vazio.

Os evangelhos não terminam com o sepultamento de Jesus, mas com a descoberta do sepulcro vazio pelas mulheres. No Novo Testamento as histórias do sepultamento e do sepulcro vazio são a mesma história, apesar de terem sido escritas por fontes diferentes. Seria improvável que os primeiros cristãos fizessem circular uma história que terminasse com o sepultamento de Jesus, tal história ficaria incompleta se terminasse com o seu sepultamento, porém os evangelhos demonstram as mulheres vendo e relatando sobre o sepulcro vazio.

 Mc. 16.1-6 (Passado o sábado, Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago, e Salomé, compraram aromas para irem embalsamá-lo. E, muito cedo, no primeiro dia da semana, ao despontar do sol, foram ao túmulo. Diziam umas às outras: Quem nos removerá a pedra da entrada do túmulo? E, olhando, viram que a pedra já estava removida; pois era muito grande. Entrando no túmulo, viram um jovem assentado ao lado direito, vestido de branco, e ficaram surpreendidas e atemorizadas. Ele, porém, lhes disse: Não vos atemorizeis; buscais a Jesus, o Nazareno, que foi crucificado; ele ressuscitou, não está mais aqui; vede o lugar onde o tinham posto.)

Muitos teólogos preferem a fonte de Marcos, isso pelo fato de sua simplicidade escriturística. Apesar da ressurreição em si não ser testemunhada (somente o sepulcro já encontrado vazio) a fonte de Marcos a descreve de uma forma bastante simples acerca do triunfo de Jesus sobre o pecado e a morte, não há utilização de títulos nem citações de profecias cumpridas ou mesmo descrições do Senhor ressuscitado. Portanto, isso é muito diferente de uma ficção criada por cristãos. 

Para fazer uma ideia de quão comedida é a narrativa de marcos, basta ler o relato do evangelho apócrifo de Pedro, que descreve a triunfante saída de Jesus do sepulcro como uma figura de proporções gigantescas, cuja cabeça alcança as nuvens, sustentada por anjos gigantescos, seguida por uma cruz que fala, anunciada por uma voz vinda do céu e testemunhada pelos guardas romanos, líderes judeus e uma multidão de espectadores. Isso demonstra o quão real as lendas se parecem: elas são coloridas por acréscimos teológicos e apologéticos. Já o relato de Marcos, por contraste, é inflexível em sua simplicidade.                         

Pouco tempo depois da descoberta do sepulcro vazio pelas mulheres, Paulo passou a transmitir aquilo que havia recebido de forma oral, I Co. 15.3 (Antes de tudo, vos entreguei o que também recebi: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras.) Paulo cita uma tradição extremamente antiga que se refere à morte e ressurreição de Cristo, Paulo testifica que recebeu dos contemporâneos de Jesus a informação que ele realmente tinha morrido.

Mais não ficou só nisso 1ª Co. 15.4-8 (E que foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras. E apareceu a Cefas e, depois, aos doze. Depois, foi visto por mais de quinhentos irmãos de uma só vez, dos quais a maioria sobrevive até agora; porém alguns já dormem. Depois, foi visto por Tiago, mais tarde, por todos os apóstolos e, afinal, depois de todos, foi visto também por mim, como por um nascido fora de tempo.)

Além disso, duas outras características da tradição paulina implicam o sepulcro vazio. Primeiro, a expressão “foi sepultado” seguida da expressão “ressuscitou” implica o sepulcro vazio. A ideia de que um homem pudesse ter sido sepultado e depois ressuscitado, mas seu corpo ainda ter permanecido no sepulcro é uma noção sem sentido. Para os judeus do primeiro século não haveria a menor dúvida de que o sepulcro de Jesus estaria vazio.

Portanto quando a tradição bíblica diz que Jesus foi “sepultado e ressuscitou” nela está implícito que o sepulcro vazio foi deixado para trás. Dadas as remotas data e origem dessa tradição, os que a escreveram jamais poderiam ter acreditado em algo que dissesse que o sepulcro não estava vazio. A expressão “terceiro dia” testifica do sepulcro vazio. Embora bastante sintetizada, uma vez que ninguém de fato viu Jesus ressuscitar dos mortos.

Por que os primeiros discípulos proclamavam que Jesus tinha ressuscitado no “terceiro dia”? Por que não no sétimo dia? A resposta mais provável é que foi no terceiro dia que as mulheres encontraram o sepulcro vazio e, com isso, naturalmente a própria ressurreição veio a ser datada nesse dia. A descoberta do sepulcro vazio não pode ser relatada como um desenvolvimento posterior e lendário.

E mais! Existem boas razões para perceber a presença de fontes independentes para o relato do sepulcro vazio nos outros evangelhos e em atos. Mateus claramente trabalha com uma fonte independente, pois ele inclui o relato dos guardas no sepulcro, Mt. 27.62-63 (E, no dia seguinte, que é o dia depois da Preparação, reuniram-se os príncipes dos sacerdotes e os fariseus em casa de Pilatos, dizendo: Senhor,lembramo-nos de que aquele enganador, vivendo ainda, disse: Depois de três dias, ressuscitarei. 

Além disso, seu comentário sobre como o rumor de que os discípulos haviam roubado o corpo de Jesus era uma história inventada que circulava naqueles dias. Mt. 28.15 (E eles, recebendo o dinheiro, fizeram como estavam instruídos. E foi divulgado esse dito entre os judeus, até ao dia de hoje.) Esse relato em Mateus demonstra que ele está respondendo a uma tradição anterior. Lucas também possui uma fonte independente, pois ele conta a história, que não se encontra em Marcos, os dois discípulos que foram ao sepulcro para verificar o que as mulheres contaram sobre o sepulcro estar vazio.

Lc. 24. 13-15 (Naquele mesmo dia, dois deles estavam de caminho para uma aldeia chamada Emaús, distante de Jerusalém sessenta estádios. E iam conversando a respeito de todas as coisas sucedidas. Aconteceu que, enquanto conversavam e discutiam, o próprio Jesus se aproximou e ia com eles.) A história não pode ser considerada uma criação de Lucas, pois o mesmo incidente e relatado de forma independente em João.

Jo. 20.1-2 (No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi ao sepulcro de madrugada, sendo ainda escuro, e viu que a pedra estava revolvida. Então, correu e foi ter com Simão Pedro e com o outro discípulo, a quem Jesus amava, e disse-lhes: Tiraram do sepulcro o Senhor, e não sabemos onde o puseram.) E também no livro de atos temos mais referencias indiretas ao sepulcro vazio. At. 2. 32 (A este Jesus Deus ressuscitou, do que todos nós somos testemunhas.)
            
Os historiadores pensam ter feito uma descoberta histórica útil, quando possuem dois relatos independentes do mesmo acontecimento. Mas no caso do sepulcro vazio temos não menos do que seis relatos independentes, sendo que alguns deles estão entre os materiais mais antigos que se encontram no Novo Testamento.

O fato das mulheres terem encontrado o sepulcro vazio só vem confirmar a sua veracidade. A fim de entender esse ponto precisamos entender duas coisas acerca do lugar da mulher na sociedade judaica. Primeiro, as mulheres não eram consideradas testemunhas dignas de crédito. Essa atitude em relação ao testemunho de mulheres fica evidente na descrição fornecida por Josefo, historiador judeu, ”das regras para testemunho admissíveis”.

Diz ele em Antiguidades IV.8.15 “Que um testemunho de uma mulher não seja admitido em função de sua leviandade e atrevimento. Na bíblia não se encontra um regulamento como esse. Antes, é um reflexo da sociedade patriarcal do judaísmo do primeiro século. Segundo, as mulheres ocupavam um baixo nível na hierarquia social judaica . comparadas aos homens elas eram consideradas como cidadãos de segunda classe.

Considere esses textos rabínicos: “Que as palavras da lei sejam antes queimadas do que entregue as mulheres” (Sotah 19ª) E também “Feliz aquele cujos filhos são homens, mas infelizes aqueles cujos filhos são mulheres” (Kiddushin 82b). A oração diária de todo homem judeu incluía a seguinte benção: “Bendito és tu, Senhor nosso Deus soberano do universo, que não me criou gentio, escravo ou mulher” (Berachos 60b).

Assim considerando o seu baixo status social e a incapacidade de servir como testemunhas legalmente reconhecidas, é um tanto surpreendente que tenham sido mulheres que encontraram, como principais testemunhas, o sepulcro vazio. Se o relato do sepulcro vazio não fosse verídico, ou seja, se fosse uma lenda, nessa lenda provavelmente seriam os discípulos que seriam postos como aqueles que encontraram o sepulcro vazio.

Extraído do excelente livro, Em Guarda.

Postado por Evandro.