quinta-feira, 21 de junho de 2012

A Tentação de Jesus no Deserto.



Quem ou o quê é o diabo que tentou o Senhor Jesus Cristo no deserto?  A idéia popular prevalecente é que o diabo que tentou Cristo foi e é uma pessoa – uma poderosa, corporização do mal. Uma leitura rápida dos registros de Mateus, Marcos e Lucas parece prover suporte para esta idéia. Existe um diálogo entre o diabo e o Senhor Jesus. O diabo sugere que seria vantajoso para Jesus fazer certas coisas que são contrárias à vontade de Deus. Jesus repudia essas sugestões, e o diabo vai embora.

Uma leitura cuidadosa, no entanto, revela um número de dificuldades. Primeiro, existem dificuldades em relação às circunstâncias da tentação. É dito expressamente em Mateus, Marcos e Lucas, que a tentação teve lugar no deserto. Assim afirma Marcos: 1: 12-13. No entanto em uma das tentações o Senhor Jesus é levado até ao pináculo do templo, em Jerusalém. Jerusalém não estava situada no deserto. Lc. 4: 5. É-nos dito que o diabo levou Jesus até um alto monte, e mostrou-lhe todos os reinos do mundo num instante de tempo. Existe, ou existiu no deserto ou fora dele, uma montanha de onde todos os reinos pudessem ser vistos de uma vez? Quase que se pode ouvir a reprimenda de que estas coisas estão escritas, e temos que acreditar nelas. Verdade; mas talvez possam ser entendidas de outra forma.

Mas as dificuldades ainda não terminaram. Existem objeções mais sérias contra o ponto de vista de que todos os detalhes devem ser entendidos literalmente, e que o diabo é uma pessoa. Considere a tentação em relação ao pináculo do templo. A partir dos Evangelhos aprendemos que o Senhor detestava tudo o que se opunha à vontade do Seu Pai. Com vista nisto, será que podemos imaginá-lo seguindo com resignação a trás deste perigoso inimigo até Jerusalém, e até ao templo? Podemos visualizá-los ambos subindo ao pináculo? Será que visualizamos Jesus lá à beira de cair? Será que o Senhor permitiria um tentador maligno trazê-lo até esse ponto sem que antes tenha dito, Não? Fazer tais concessões a um tentador certamente não seria consistente com o que lemos sobre o caráter de Jesus.

Ainda, pense na tentação de se curvar diante do diabo, e receber todos os reinos do mundo. Imagine que alguém importante e poderosa fizesse esta a oferta a nós. Como reagiríamos? Não importa quão grande seria o tentador, saberíamos que ele não estava numa posição de cumprir tal promessa. A tentação não seria real. Seria para nós mais uma anedota do que uma promessa real. Certamente Jesus, que tinha tanto respeito pela Palavra de Deus, e que sabia muito bem que “do Senhor é a terra e a sua plenitude”, não seria nem no menor grau tentado por qualquer impostor (pois seria um impostor) que lhe fizesse uma oferta extravagante e impossível de se cumprir como essa.

A Destruição do Diabo no Calvário

Qualquer interpretação das Escrituras que não faz sentido deve ser rejeitada. Temos que ver se a tentação no deserto pode ser entendida de uma maneira que faça sentido. Mas antes de fazer isso, primeiro queremos examinar outra passagem que nos pode ajudar. Ao passo que Jesus resistiu ao diabo no deserto (não importa como isso seja entendido), ele destruiu o diabo quando foi crucificado. Hb. 2: 14 declara: Esta passagem diz-nos que porque “os filhos” (ou seja, os que são salvos em Cristo, como se vê nos versículos anteriores) são criaturas de carne e sangue, Cristo também teve uma natureza semelhante à deles. Porque veio ele com a nossa natureza? Para poder morrer. E porque era necessário que ele morresse? Para que, pela morte, destruísse o diabo.

Suponha que a idéia popular seja verdadeira, e que o diabo é um ser maligno poderoso. É razoável supor que Jesus Cristo teria que vir com a nossa débil natureza humana e morrer na cruz para destruir esse monstro? Como poderia a morte de Cristo ter o efeito da destruição desta suprema corporização do mal – se o diabo deve ser visto como tal? E se a morte de Cristo era para o propósito de destruir um monstro, não estaria morto o monstro agora? Aqui se pode ver que é necessária outra explicação. É necessária uma definição do diabo que faça sentido a par dos relatos da tentação que se encontram nos Evangelhos, e da passagem citada de Hebreus. Pode essa definição ser encontrada?

Desejos que Vão Contra a Vontade de Deus

Alega-se que a seguinte definição remove os problemas: o diabo é um símbolo dos desejos humanos que vão contra a vontade de Deus. Não existe falta de apoio bíblico para esta definição. O nosso propósito imediato, no entanto, deve ser; como esta definição encaixa no relato da tentação no deserto, e no ensinamento de Hebreus 2: 14.

O diabo que tentou o Senhor Jesus era os seus próprios desejos humanos. Essa é a proposição que devemos examinar agora. Praticamente não é preciso mencionar que existe um grande conjunto de evidências, particularmente em Hebreus, de que o Senhor Jesus possuía uma natureza como a nossa. Novamente nos referimos a Hebreus 2: 14 – à primeira parte do versículo: “Visto, pois, que os filhos têm participação comum de carne e sangue, destes também ele, igualmente, participou...” As palavras, “também”, e “ele” e “igualmente” foram escolhidas para sublinhar o fato de que o Senhor Jesus realmente possuía uma natureza como a nossa. No versículo 17 do mesmo capítulo repete este mesmo ponto: “Por isso mesmo, convinha que, em todas as coisas, se tornasse semelhante aos irmãos”; e Hebreus 4: 15 diz que “foi ele tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado”. Não desonramos Cristo quando dizemos que ele foi tentado como nós somos. Damos-lhe ainda mais honra, porque reconhecemos que, embora ele tivesse sido tentado como nós o somos, ele nunca pecou. Nisto ele foi único.

Agora tentemos resolver os detalhes da tentação no deserto. Imediatamente depois do seu batismo, o Senhor Jesus recebeu o Espírito Santo e ouviu uma voz do céu dizendo, “Este é o meu filho amado, em quem me comprazo”. Estes novos poderes, e este novo estatuto anunciado, abriram possibilidades tanto excitantes como perigosas. Embora a sua vida tenha sido, até este ponto, uma preparação, esta nova situação requeria um curso curto e intensivo de preparação. Este tomou a forma de tentações onde as possibilidades desta nova situação foram exploradas ao máximo. Duas vezes as tentações foram apresentadas pelas seguintes palavras, “Se és o Filho de Deus”; e duas vezes, pelo menos, a sugestão foi feita que estes poderes acabados de receber poderiam ser usados para motivos egoístas. 

O Senhor Jesus Cristo tinha estado quarenta dias sem comida. Naturalmente, ele sentia muita fome e os seus pensamentos eram como iria encontrar comida. Quarenta dias antes ele tinha ouvido Deus chamando-lhe de Seu Filho; e tinha recebido novos poderes maravilhosos. Se ele era realmente o Filho de Deus, e se, como tal, ele possuía estes poderes, isto seria uma ocasião para agir. Tentativamente e reverentemente, tentamos pensar que com que tipos de pensamentos o nosso Senhor teve que lutar: “Tu és o Filho de Deus; tu vieste para fazer a vontade do teu Pai, tens que viver. Se é para viveres, tens que comer. E se tens que comer tem que produzir comida, porque não existe nenhuma neste deserto. 

Tu tens que usar os teus poderes milagrosos e transformar estas pedras em pão, e garantir assim que continuarás vivo para fazer a vontade de Deus”. Teria sido fatalmente fácil para alguém com a nossa carne e sangue raciocinar dessa maneira. E teria sido fatalmente fácil sucumbir a tais pensamentos. Mas se o Senhor Jesus tivesse sucumbido a isso, teria sido pecado, e a tragédia do Éden teria acontecido novamente com conseqüência irrevogáveis.

É difícil de imaginar o Senhor seguindo um tentador até ao pináculo do templo; mas é fácil imaginar os seus pensamentos tendo sido levados até esse lugar. “Se és o Filho de Deus”, ele poderá ter pensado para si mesmo, “porque não dar aos homens uma prova desse fato? Isso garantiria o sucesso da tua obra para Deus, e Deus seria glorificado. Atira-te daí abaixo!”

É difícil imaginar Jesus literalmente subindo a um monte do qual todos os reinos do mundo pudessem ser visto num momento de tempo. Mas é fácil imaginar, ele ascendendo, em sua imaginação, a um ponto de vantagem do qual poderia ver o grande reino que o seu Pai lhe prometera. Sim, foi-lhe prometido, e agora estava ao seu alcance, pois ele tinha grande poder. Se ele tomasse a posse do mundo agora, o propósito final de Deus se cumpriria, e a dor e vergonha da crucificação seriam evitadas. A idéia era atrativa. Tudo o que tinha que fazer era curvar-se perante si mesmo – e o reino seria seu!

A tensão deste tipo era real. Era uma batalha entre a carne e o espírito, e o espírito prevaleceu. O valor desta vivência era imenso, porque isto apresentou a Jesus a tentações que se poderiam apresentar de um modo mais sutil durante o seu ministério.

A Tentação se Repete

Em Lucas 4 – o capítulo que descreve a tentação – está registrado que a multidão enfurecida em Nazaré tentou jogar Jesus de um precipício. Quão fácil teria sido submeter-se a isso, e deixar que eles o jogassem de lá para baixo. Então eles ficariam pasmados ao vê-lo ser gentilmente carregado pelos anjos. A tentação era sutil, porque isto não era algo que ele tivesse planeado antes. As circunstâncias levaram-no a esta situação, e certamente Deus estava dirigindo as circunstâncias dele. 

Mas o seu pensamento já tinha sido exercitado sobre este tipo de situação no deserto. Ele sabia que qualquer demonstração desse tipo não fazia parte do plano de Deus para ele, e “Jesus, porém, passando por entre eles, retirou-se.” Tome outro exemplo, o Senhor provavelmente vivenciou uma tentação similar à tentação das “pedras transformadas em pão” quando pregava em Samaria, Em João 4 é nos dito claramente que Jesus estava cansado (“Cansado da viagem, assentara-se Jesus junto à fonte”). 

Existem indicações também que ele estava com sede e fome: os discípulos tinham ido à aldeia comprar comida; e Jesus pediu água à mulher Samaritana. O impulso de satisfazer estes desejos naturais de descansar, comer e beber deveria ser forte. Em circunstâncias normais teria sido permissível; mas havia trabalho a fazer, ele recusou se distrair com estas necessidades da carne. Água, comida e descanso tornaram-se irrelevantes. Era a vontade do Pai que Jesus continuasse trabalhando, e isso era tudo o que importava.

Novamente Hebreus 2: 14

Os desejos humanos que foram frustrados no deserto foram destruídos no Calvário. Enquanto houvesse a natureza Adâmica, haveria a possibilidade de tentação. Não foi o suficiente frustrar os desejos humanos que se opunham à vontade de Deus. Tinham que ser destruídos. E como poderia isto ser feito senão pela destruição da fonte desses desejos – a natureza herdada de Adão? Assim o Senhor Jesus destruiu o pecado no lugar onde ele residia. Ele destruiu o pecado na carne.

Esta é a mensagem de Hebreus 2: 14. Jesus veio com a nossa natureza para que pudesse morrer; para que, pela sua morte, o diabo, ou os desejos humanos contrários à vontade de Deus, pudessem ser destruídos na sua fonte. Jesus aniquilou “pelo sacrifício de si mesmo, o pecado” Hebreus 9: 26.

CAPRICHOS E FALÁCIAS

JÁ vimos que a idéia de que o diabo é um monstro super-humano não se enquadra com o registro da tentação do Senhor, ou com o ensino de Hebreus 2: 14. A teoria tem outras fraquezas também, e talvez devamos examiná-las agora e limpar o caminho para uma investigação mais positiva.

Silêncio Eloqüente

Já foi apontado que o tema do diabo é um tema do Novo Testamento. Isto é, em si mesmo, significativo. Aqueles que acreditam num diabo pessoal também crêem que este diabo estava vivo e ativo, nos dias do Antigo Testamento. Porque é então só mencionado no Novo Testamento? É afirmado que o diabo foi responsável pela tentação e queda do homem, e, no entanto não existe qualquer indicação do papel fatídico atribuído a esse monstro no registro de Gênesis. É suposto que o diabo iniciou a grande tragédia humana, mas que tem estado profundamente envolvido desde então, exercendo grande força para assegurar-se que o mal e o sofrimento nunca deixem a raça humana. No entanto, o longo registro do Antigo Testamento sobre o pecado humano e graça divina nem sequer dá uma referência incidental desde espírito maligno.

Missão bíblica Cristadelfiana.

Postado por: Evandro.